"A Cidade e as Serras", Capítulo IX - parte III, de Eça de Queirós
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Nono capítulo - terceira parte, em audiolivro, do romance “A Cidade e as Serras” de Eça de Queirós. Apoiem-nos no Patreon (https://www.patreon.com/neolivros) “A Cidade e as Serras” é um desenvolvimento do conto “Civilização”, cuja publicação em livro ocorreu em 1901, já depois da morte do autor. No romance é relatada a história de Jacinto, tendo como narrador José Fernandes, um amigo fraternal. Jacinto nasceu e viveu toda a sua vida num palácio dos Campos Elísios, em Paris. Apesar de rodeado de conhecimento, de tecnologia e de luxo, vive aborrecido e decide regressar a Tormes, na região do Douro. TRANSCRIÇÃO — Durante essas semanas que preguicei em Tormes, eu assisti, com enternecido interesse, a uma considerável evolução de Jacinto nas suas relações com a Natureza. Daquele período sentimental de contemplação, em que colhia teorias nos ramos de qualquer cerejeira, e edificava sistemas sobre o espumar das levadas, o meu Príncipe lentamente passava para o desejo da Acção… E de uma acção directa e material, em que a sua mão, enfim restituída a uma função superior, revolvesse o torrão. Depois de tanto comentar, o meu Príncipe, evidentemente, aspirava a criar. Uma tardinha, ao anoitecer, sentados no pomar, no rebordo do tanque, enquanto o Manuel Hortelão apanhava laranjas no alto de uma escada arrimada a uma alta laranjeira, Jacinto observou, mais para si do que para mim: — É curioso… Nunca plantei uma árvore! — Pois é um dos três grandes actos, sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem… Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Tens de te apressar, para ser um homem. É possível que talvez nunca prestasses um serviço a uma árvore, como se presta a um semelhante! — Sim… Em Paris, quando era pequeno, regava os lilases. E no Verão é um belo serviço! Mas nunca semeei. E como o Manuel descia da escada, o meu Príncipe, que nunca acreditara inteiramente — pobre homem! — no meu saber agrícola, imediatamente reclamou o parecer daquela autoridade: — Oh Manuel, ouça lá, o que é que se poderia agora semear? Com o cesto das laranjas enfiado no braço, o Manuel exclamou, através de um lento riso, entre respeitoso e divertido: — Semear, patrão? Agora é antes colher… Olhe que já se anda a limpar a eirazinha para a debulha, meu patrão. — Pois sim… Mas sem ser milho nem cevada… Então ali no pomar, rente do muro velho, não se podia plantar uma fila de pessegueiros? O riso do Manuel crescia. — Isso sim, meu senhor! Isso é lá para os Santos ou para o Natal. Agora só a couvinha na horta, a beldroega, os espinafres, algum feijãozinho em terra muito fresca… O meu Príncipe sacudiu, com brando gesto, estes legumes rasteiros. — Bem, boa noite, Manuel. Essas laranjas são da tal laranjeira que diz o Melchior, muito doces, muito finas? Então leve para os seus pequenos. Leve muitas para os pequenos. Não! O empenho era criar a árvore. Pela árvore contemplada na serra em sua verdadeira majestade, na beneficência da sua sombra, na frescura embaladora do seu rumorejar, na graça e santidade dos ninhos que a povoam, começara talvez, lentamente, o seu amor novo da terra. E agora sonhava uma Tormes toda coberta de árvores, cujos frutos e verduras, e sombras, e rumorejos suaves, e abrigados ninhos, fossem a obra e o cuidado das suas mãos paternais. No silêncio grave do crepúsculo, que descia, murmurou ainda: — Oh Zé Fernandes, quais são as árvores que crescem mais depressa? — Eh, meu Jacinto… A árvore que cresce mais depressa é o eucalipto, o feiíssimo e ridículo eucalipto. Em seis anos tens aí Tormes coberta de eucaliptos… — Tudo tão lento, Zé Fernandes… Porque o seu sonho, q…
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Capítulo I, em audiolivro, do conto "Singularidades de uma Rapariga Loura" de Eça de Queirós.
Published 12/18/21
Published 12/18/21