Para mim tinha sido uma tarde linda, alegre, em companhia dos nossos melhores amigos, onde rimos, cantamos, brindamos e nos abraçamos. Momentos necessários, que dão leveza ao dia a dia.
De repente ele me arranca desse ambiente e me leva para o carro.
O carro tinha regras bem definidas: as dele. Essa era a dinâmica das últimas duas décadas: eu ligava o rádio e ele desligava, e só me deixava ouvir música quando ele já tivesse cansado de falar. Mas nesse dia não teve conversa, e muito menos música.
Assim que entramos no carro, ele se transformou.
Ele gritava, enlouquecido:
- “Você não parou de beber, rir e se divertir, se expondo, todo mundo viu, me matou de vergonha!”
Num primeiro momento eu murchei, triste, tentando entender o que tinha feito de errado. Aliás, por muito tempo da nossa vida eu me questionei se precisaria amá-lo mais, para quem sabe consertar esse buraco.
Mas, voltemos ao carro. Já num segundo momento de maior consciência, entendi que estava em risco, fiquei muito nervosa e também enjoada, enquanto ele não parava de gritar e a me empurrar, ainda enquanto dirigia.
Então, eu vomitei dentro do carro. O que já estava ruim, ficou muito pior: ele perdeu o controle e começou a me xingar, e acelerar o carro para me deixar apavorada.
Eu não sabia se ia apanhar e pensei em me jogar do carro em movimento.
Ao chegar em casa, fui tomar um banho. Tento lembrar da roupa que eu estava usando, mas não a encontro em lugar nenhum da minha memória. Se eu procurar, tenho sim fotos e filme desse dia, da festa com nossos amigos. Mas aquelas primeiras fotos não ilustram o que foi vivido naquela tarde.
Começa então a segunda sessão de fotos, a que ninguém quer ver.
Ele com o celular começou a me registrar vomitando no banheiro, deitada no box, com a pressão baixa, arrasada e nua. Eternizar esse momento era redefinir o conceito de covardia.
E ele seguia gritando:
- “Vou registrar o estado que você fica e mostrar pros seus filhos e pra sua mãe, você é um horror de exemplo, não sabe se divertir, só me traz desgosto, só me dá vergonha!”
Eu me vi sentada no chuveiro, tentando me refazer da ressaca moral e da violência verbal a que me submetia frequentemente. Eu olhava para a canaleta do box e via a água fluindo para o ralo… Parecia que eu estava derretendo junto com aquele fluxo. Humilhada, não imaginava como fugir do meu sequestrador de almas.
O que eu queria mesmo era voltar lá, naquela cena do banho, para secar aquela mulher.
Eu me colocaria para dormir em segurança, longe dele e de todos os opressores que já me fizeram sentir vergonha de ser autêntica. Longe dos que tentaram me enfraquecer, fazendo com que eu duvidasse de mim.
Eu me abraçaria forte e diria que ninguém no mundo vai me impedir de cantar.
Diria a ele que, em algum momento, se atraiu exatamente por essa espontaneidade e espírito alegre, porque é o que ele não consegue ser.
Que é uma falha dele, e não minha.
E que sim, eu precisaria levantar desse banho - que a cada dia me deixava mais suja - para nunca mais voltar.
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