A minha história é muito comum e ao mesmo tempo muito particular. É uma história como dos grandes romances, mas também a mesma de meninas que viviam o trabalho doméstico como um fator de transformação na minha época. Continua sendo minha história, com o meu sotaque, derrotas e, claro, as minhas vitórias.
Venho de uma família mística, étnica. Meus avós maternos foram minha referência de amor e cuidado. Vó Rosa, indígena da Tribo Tremembés de Acaraú, rezadeira, parteira, pessoa que entregou sua vida à caridade e amor ao próximo; e Vô Antônio Gabriel, filho de imigrantes italianos que vieram fugidos da Segunda Guerra Mundial, chegaram ao Ceará e foram para uma localidade batizada por Gênova, que hoje chama-se Bela Cruz.
Minha mãe Maria da Conceição Pessoa é a filha mulher mais velha, de sete irmãos. Ela, muito rebelde, engravidou aos 15 anos e foi expulsa de casa por meu avô, que não aceitava ter uma filha mãe solteira. Nessa noite, quando se viu sozinha, foi dormir no cemitério do povoado, Aranaú, distrito de Acaraú, onde mora até hoje aos seus 71 anos.
No dia seguinte, ela foi acolhida por Dona Rosa, a proprietária da pousada do povoado. Dona Rosa, era muito conhecida de todos como uma mulher corajosa, forte e decidida. Era também discriminada por ser considerada "cafetina," pois as mulheres sem amparo da família eram acolhidas por ela em seu comércio ou eram enviadas para Acaraú, Fortaleza, São Paulo. Minha mãe foi enviada para Acaraú onde foi abrigada por Dona Maria Bertold, essa sim, dona de um prostíbulo.
Assim minha mãe teve seus filhos - sou a quarta filha de clientes. Meu pai, Eudes, tirou mamãe do prostíbulo e foi viver com ela em Aranaú. Ele, porém, tinha sua esposa, duas filhas, e depois de 12 meses voltou para casa, foi visitá-las. Encontrou a esposa grávida de outro homem, e a matou. Foi preso. Minha mãe teve que se esconder, pois os irmãos da esposa de meu pai queriam matar-los, Minha tia, irmã de meu pai, conseguiu tirar mamãe do local, às pressas. Meu genitor foi morto.
Por favor, gostaria que meu nome fosse colocado junto com a história, pode ser? Francisca das Chagas Pessoa.
Minha mãe foi viver em Fortaleza por uns anos, eu e meus irmãos ficamos com meus avós. Nesse tempo eu tinha cinco anos. Ela voltou depois de um tempo, mas eram mesmo meus avós quem cuidava da gente.
Minha infância no interior foi muito especial, apesar de tudo. Fui uma criança livre sem violência. Estudava, ia para a roça com meus avós, tinha meus amigos, brincava muito, ia a praia. Adorava os festejos da igreja católica, tinha muita alegria, comida, circo, Parque de Diversões, a casa de farinha era muito bom!! Colher frutas, verduras, pescaria, lavar a roupa na lagoa. Isso mudou quando em 1986, tia foi me buscar pra ir morar com ela, em Fortaleza.
Tia morava na Praia de Iracema. Tudo era muito diferente ao que estava acostumada, as crianças com quem fiz amizade eram diferentes e para elas meus trejeitos do sertão eram motivo de piadas e risos. Eu também ria junto por não entender que as brincadeiras eram sobre mim mesma, tamanha era minha inocência, tão matuta…
Nunca tinha visto água saindo da torneira na pia, chuveiro, refrigerantes, biscoito recheado, picolé, sorvete, maçã, uva, frango assado na máquina. Imagina então um Boneco gigante na praia em desfile de carnaval? Sim, fiquei muito assustada quando vi a Banda de Iracema e o bloco Periquito da Madame passando na Avenida Beira Mar em desfile. Corria assustada para abraçar a tia aos prantos, haha... Enfim, aos poucos fui me acostumando com as novidades da capital cearense.
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[por conta do limite de 4000 caracteres o restante da história está apenas no áudio]
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