Hoje olho ao redor e reconheço: estou em casa. As plantas que convivem comigo, os objetos que eu mesma fiz, a decoração que eu imaginei. É uma casa diferente por ter sido feita pelas minhas mãos, com as cores e as formas que escolhi. Não outra pessoa, mas eu. E a casa é exatamente como a minha história recente.
Fui casada algumas décadas com um homem muito sagaz. Ele administrava bem as finanças da casa e era um pai amoroso. Com os amigos e as pessoas de fora ele era alegre e de boa convivência.
Comigo, porém, era tudo diferente. Nem toda hora, nem todo dia, mas com frequência e firmeza, ele me colocava no meu “lugarzinho”. De esposa, de cuidadora da casa, de funcionária das atividades familiares, de mãe que arca com tudo dos filhos.
E se por algum motivo ele acordava mau humorado, era a mim que ele responsabilizava pelo mau humor que sabe-se lá de onde vinha. Reclamava do artesanato que eu gostava de fazer, me tratava de forma grosseira, sem tato ou delicadeza e me fazia pensar que os erros que surgiam em nossa convivência eram meus, que quem devia pedir desculpas era eu.
E eu pedia. Pedi desculpas por muitos anos. Por coisas que não eram de minha responsabilidade. Outro dia ouvi num outro podcast uma imagem que me representou bem: alguns homens fazem uma manobra perversa e nos colocam no fundo do poço só para parecem salvadores ao estenderem a mão. Era bem a estratégia dele. Até namorada fora do casamento ele arrumou. Chegamos a nos separar, mas eu o aceitei de volta, como quem aceita as regras impostas.
Nossa vida foi essa. Meu filho mais velho presenciou vários momentos em que eu era tratada com desdém, sendo diminuída e apagada. Isso nos machucou muito. E nosso dia a dia foi se dando assim até que eu percebi que essa minha história não era minha.
Não era eu com quem o meu parceiro tomava as decisões, mas era ele quem decidia por nós, pela família. Ao casar estava prestes a viver um relacionamento tóxico – só não sabia. Não sabia porque ainda estava para acontecer, mas também porque essa palavra ainda não existia para mim.
E então, aos quase 60 anos, eu resolvi começar uma nova história. De outra forma, em outro lugar. Uma história com outras palavras que eu mesma quisesse dizer. E saí de casa, fui para um lugarzinho meu, com alguma dificuldade. Nós tínhamos uma situação financeira muito boa, mas isso acabou ficando menos importante quando eu pensava em que vida queria para mim.
E aí veio outra surpresa. Logo fui diagnosticada com câncer de mama e foi muito complicado. Muito doloroso. Apesar de ter sido um câncer relativamente bonzinho, eu tive que fazer radioterapia e quimioterapia. Isso tudo morando sozinha. Foi bem difícil, mesmo com o meu filho mais velho morando perto.
Mas não foi ruim, não, viu? Foi melhor do que se eu tivesse acompanhada. Eu estava em casa, na minha casa. Imagina a diferença? Estar passando por uma doença tão forte como o câncer e preferir estar sozinha? Essa diferença é gritante, mas foi ela quem me fez outra mulher. Muito mais feliz, muito mais segura e decidida – decidida de mim.
Hoje, olhando para trás, vejo que houve um momento fundamental que é o que eu queria deixar como sugestão para quem está passando por um relacionamento tóxico ou abusivo: procure uma profissional da psicologia e se prepare financeiramente para ganhar sua liberdade.
Quer dizer, você vai ter um suporte profissional para que você entenda que os seus desejos e o seu modo de viver não são errados. Que as suas escolhas também importam e que você é uma mulher inteira, que não precisa do outro para se sentir bem e feliz.
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