#15 - A história de um país
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Enquanto criança eu não tinha noção de como eram difíceis aqueles tempos, e nem de que vivia de perto a pobreza. As minhas recordações vem desde os 3 anos de idade. Eu morava em sítios - no plural - pois os meus pais se mudavam constantemente.   Recordo da minha primeira casa, de chão batido, que tinha um riacho perto, onde eu brincava durante o verão.  Levávamos nosso almoço na roça, eu e a minha mãe. Subíamos por uma trilha, até o topo do morro, onde estava a plantação de feijão. Às vezes derrubavam árvores ou faziam queimadas, e eu juntava galhos para limpar a terra. Não recordo de ter visto uma cidade, nem se quer um vilarejo e não imaginava outro mundo além daquele lugar.  Logo já era outro sítio, de plantação de algodão, e tinha vizinhos e crianças para brincar. O trabalho não era fácil.  Com 7 anos eu sabia que deveria estudar, e era o meu sonho, já que os meus irmãos já estavam na escola. Mas eu não fui, e foi triste demais.  Minha mãe disse que eu tinha que trabalhar, que mulher não precisava de estudos e sim aprender a cuidar da casa e trabalhar na roça.  Fiquei com muita raiva dela, mas a minha vida seguiu entre bolinhas de gude com meus irmãos, brincadeiras de casinha, criação de bonecas de pano e caça de passarinhos com estilingue.  Quando chovia eu tomava banhos de chuva e brincava nas enxurradas.  Lá tinha mina d'água, onde eu buscava com balde pra cozinhar, beber e tomar banho. Eu achava injusto as mulheres irem buscar água ao voltar da roça, enquanto os homens iam descansar.  Eu não podia brincar com meninos, mas mesmo assim brincava, e quase sempre apanhava por isso. Fui uma criança bem agitada e queria sempre aprender coisas novas. Além das brincadeiras “de menina” eu andava a cavalo e brincava de bola - aliás eu era a goleira do time dos meninos. Eu ia além do que me era determinado, e mesmo sabendo das consequências, eu fazia. Fui resistente ao sistema, o que irritava a minha mãe, e então ela me batia. Nessa época eu sentia que ela não gostava de mim, e me penalizava por isso.  Por muito tempo procurei entender as razões dela e hoje imagino que me batia porque não tinha a minha força emocional, capaz de se levantar contra o que era imposto.  Outro ano chegou e a minha expectativa de estudar se foi, pois a minha mãe disse que eu ia cuidar de um bebê de uma família que estava chegando nas redondezas.  Eu pensava: como podem deixar uma criança comigo, se eu tinha 8 anos? Lembro que por duas vezes deixei o bebê cair e ele ainda não tinha um ano. Hoje sei que todos os adultos presentes foram irresponsáveis demais, mas talvez a necessidade os obrigasse àquela situação.  Não havia energia elétrica na minha casa e tampouco o meu entendimento sobre a relação entre os meus pais. Lembro de ver eles brigando e do meu pai ficar dias fora de casa, enquanto a minha mãe e os filhos estudavam e trabalhavam.  Com 9 anos comecei a estudar, que alegria! Era uma felicidade ter um caderno, e eu lembro com muita nostalgia do cheiro deles. Logo veio mais uma mudança de sítio. Ter que fazer amigos constantemente era complicado, e eu fazia um esforço para ser legal o tempo todo, para ser aceita nos novos grupos. Nessa nova moradia tinha pés de frutas, gado, canavial e iríamos cuidar de plantação de cana. Naquele ano a seca castigou e lembro do gado morrendo no pasto, do poço d'água seco e que tínhamos que buscar água muito longe, em outro sítio que tinha poço artesiano. A nossa sobrevivência foi caldo de cana, melaço e rapadura. Não tinha comida: passamos fome e até sede.  Fomos então para outro lugar, dessa vez feio, triste e amedrontador.  ... [por conta do limite de 4000 caracteres o restante da história está apenas no áudio] Lembrando que o Podcast Sozinha de si é um projeto de acolhimento através de histórias anônimas, manda a sua história pra mim: ⁠⁠[email protected]
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