Fui adotada por uma família composta por pai, mãe e quatro irmãos.
Aos 2 anos, meu pai foi embora e nunca mais voltou, nem procurou nenhum dos filhos. O tempo passou e, aos 13 anos, fiquei sabendo por uma vizinha sobre a minha adoção e a minha mãe adotiva apenas confirmou.
Comecei a entender as palavras agressivas, a rejeição e até o amor sufocante que eu recebia.
Em um momento de raiva, minha mãe contou que foi levar almoço para o marido e o ouviu falando com uma voz feminina que o pressionava: "Se você não largar a sua mulher, eu pego a menina de volta".
Ele respondeu: "Mas ela já pegou amor na menina" - a menina era eu.
Soube depois que nesse momento a minha mãe adotiva fez as malas dele e o mandou embora. Ou seja, o meu pai adotivo era também o biológico e muito provavelmente sou filha da amante, que me deu para ser adotada pela família dele.
Aí começou o meu pesadelo. Fiquei sem rumo, com três irmãos e uma irmã que me culpavam pelo pai não vir vê-los. Eles não sabiam da suposição de que a amante era a minha mãe biológica.
Fui abusada e não sei por qual dos três meninos.
Eu vivia machucada e, aos 14 anos, fugia para a rua, voltando para dormir quando não estavam. Minha mãe me escondia embaixo da cama para eles não me verem.
Engravidei aos 18 anos, sem poder lembrar quem era o pai. Tive mais um filho nessa situação, também por abuso. Eu bloqueei essas lembranças.
Tenho aversão a um deles, fiz terapia durante 20 anos e preferi não querer saber, somente me afastar. Sempre ach ei difícil de entender como a minha mãe adotiva aceitou muito bem as duas vezes em que fiquei grávida.
Nesse período, passei por internações em hospitais psiquiátricos.
Os meus filhos sabem das internações, pois iam me visitar no hospital, mas nunca falei dos abusos.
Aos 14 anos, conheci Anjo, um namoradinho. Minha família não aceitou e nunca mais o vi. Mais tarde, consegui trabalho e segui morando com minha mãe e meus dois filhos.
Conheci então um outro rapaz que dizia me amar e engravidei novamente. Fui diagnosticada com transtorno bipolar e tive episódios maníaco-agressivos, passando por muitas internações.
O pior ainda estava por vir: meu companheiro e uma amiga decidiram ficar com minha filha recém-nascida - a minha terceira.
Entrei em crise novamente, mas Deus me guiou e me ajudou a contar a verdade sobre o nascimento dela. Precisei provar a minha lucidez perante a lei e, em três meses, consegui ter minha filha de volta aos meus braços.
Em 1998, reencontrei Anjo.
Minha filha caçula havia caído e quebrado metade do dente. Saí correndo e quase fomos atropelados por uma perua. A partir daquele momento, Anjo se tornou o meu protetor: cuidou de mim e dos meus filhos.
Eu tinha 28 anos e ele 33. Ele nunca havia se casado nem tido filhos. Disse que sempre me procurou, mas não me encontrou, pois não tínhamos celulares ou redes sociais na época.
Fui retornando à vida, ao trabalho e me fortalecendo. Parei de tomar remédios, até mesmo para dor de cabeça. Chegaram a conclusão de que eu não era bipolar, e sim vítima de vários diagnósticos errados.
Meu pai adotivo morreu sem que eu soubesse se aquela versão da história era verdadeira. Eu também nunca soube o nome da amante que se tornou sua esposa.
Quando o meu pai faleceu, a minha mãe foi chamada para receber pensão, que ficou para a esposa e para a mãe dos filhos. Ela aproveitou e levou o meu RG e perguntou para a funcionária se tinha visto a foto da outra que receberia a pensão também. A funcionária ficou em choque, tamanha a semelhança, e disse: “não mexa nesse vespeiro”!
... [por conta do limite de 4000 caracteres o restante da história está apenas no áudio]
Sozinha de si é um projeto de histórias silenciadas de mulheres despedaçadas, contadas anonimamente, para cuidar de todas de uma vez, manda a sua história pra mim:
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