Namorei meu futuro marido dos 19 aos 21 sem ter relações sexuais. Era como era naquela época: a gente precisava esperar o casamento. Mas ele pressionava por ter relações e duvidava de mim: “Você é virgem mesmo?”, ele perguntava. Até que decidi ceder. No dia seguinte a desconfiança continuou: “Nada me tira da cabeça que você não era virgem”. Fiquei dilacerada. Eu nunca tinha tido ninguém!
Cheguei em casa e decidi dar um fim à vida. Tomei muitos remédios com coca-cola. Na madrugada minha irmã me salvou: percebeu que eu estava muito mal e contou pra mãe sobre os remédios. A ambulância veio, fui pro hospital e depois da lavagem no estômago, restou o mal estar na família, o medo e a raiva. Mas mesmo assim continuei com ele e nos casamos. Eu devia estar muito apaixonada ou cega. Como foi que eu deixei isso acontecer?
As décadas seguintes foram de dependência financeira, mudança de cidades, tormentos, exploração da minha força de trabalho, assédio moral, estupro marital, assédio sexual de meninas, entre elas minha sobrinha e minha irmã, as duas menores de idade, violência psicológica... Vou contar um pouco os acontecimentos desses 42 anos de opressões.
O primeiro abuso veio com três meses de casada. Morávamos em São Paulo e numa dessas enchentes eu voltei pra casa bem depois do horário normal. Já estranhei muito porque vi os maridos e os familiares das outras mulheres esperando no ponto do ônibus, mas ele, não. Quando cheguei em casa a primeira coisa que ele disse, com muita raiva, foi: “não jantei, nem tomei café. Vai preparar”. Para em seguida me mandar escolher, ou eu ficava no casamento ou eu trabalhava. Mas... Como eu ia separar depois de três meses?
Eu nunca pensei que eu pudesse alugar uma casa, morar sozinha, sei lá, alguma coisa desse tipo. E também não queria voltar pra casa dos meus pais, eles provavelmente diriam: “Ué, já se separou?”. Resultado: saí do serviço que era muito bom, que eu gostava demais. Eu ganhava até mais do que ele. E então começou a minha dependência financeira. Precisava pedir tudo. Ele usava isso pra me chantagear, me usar e me humilhar.
Quando fiquei grávida do nosso primeiro filho, ele decidiu ir morar em Juiz de Fora, terra da mãe dele. Essa mudança aconteceu eu estava com oito meses. E lá fomos nós, pra roça. Foi o pior ano da minha vida, eu com filho pequeno e inexperiente para cuidar de criança sozinha.
Depois disso passamos uma temporada em São Paulo, mas voltamos para Minas Gerais de novo. Foi o tempo que eu mais trabalhei. Trabalhei na roça, trabalhava em casa como empregada, que naquela época, em Minas, era quase escravidão, né?, fiz serviço em obra de construção, mesmo enquanto estava grávida. E depois cuidando da mãe dele, que era diabética.
Em casa ele fazia coisas para me torturar. Entrava com sapato sujo da roça. Pedia comida no meio da noite, mas era só pra me ver levantar, quando eu esquentava ele não queria mais. Pedia café quando eu sentava pra ver televisão. Pedia tudo, não fazia nada.
De tanto eu ser rejeitada eu comecei a ter nojo e a não querer mais. Quando acontecia, era... Eu ficava com uma raiva, já ia logo tomar banho, não gostava. Ele começou a falar que parecia que eu gostava era de mulher.
Comecei a ter crises de labirintite e desenvolvi uma doença autoimune. Me isolei de todo mundo. Eu não tinha amigos, não saía. Fiquei mais de três anos sem visitar os meus pais. Mas até a crise explodir, foram muitos anos.
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