Tem dias que eu me sinto como uma usuária de drogas. Mas o que consumo não é nem cocaína, nem crack. É o olhar, o toque, as migalhas de atenção que ele me dá. Quando não nos vemos, vem a crise de abstinência, o choro, a solidão.
Na infância, minha família vivia dificuldades financeiras: meu pai era omisso em casa e minha mãe ao mesmo tempo autoritária e ausente. Éramos cinco filhos, sendo as duas mais velhas, numa diferença de 10, 12 anos, e nós, os 3 mais novos, em idades próximas.
Aos 16 anos comecei a namorar aquele que seria meu primeiro marido. O primeiro homem que me bateu e me traiu diversas vezes. Mas a casa era organizada e não passávamos fome, o que me fazia viver uma confusão em relação a isso, por não entender essa contradição. Fico ou vou embora? Tive dois filhos com ele e me libertei aos 27 anos, quando me divorciei - ele tinha engravidado uma amante. Até me casar pela segunda vez, passei fome e humilhação com esses dois filhos. Ainda bem que no segundo casamento foram 12 anos tranquilos. Mas ele, infelizmente, faleceu.
A vida então seguiu seu curso e por isso mesmo as coisas foram mudando. Os filhos foram conquistando sua autonomia, eu tinha mais tempo e mais espaço na vida, só não tinha habilidade em lidar com isso. O dia parecia ter horas demais, a casa estava sempre tão bem cuidada, parecia que nem ela precisava mais de mim. Veio então a pandemia e tudo piorou: a solidão e o sentimento de que não tinha mais função nem lugar.
Foi mais ou menos por aí que eu percebi ainda mais a presença do vizinho. Já o achava prestativo, simpático… Charmoso. Ele fazia pequenos serviços de manutenção lá em casa, com muita gentileza. Uma vez ele me surpreendeu: eu tinha ficado doente e ido ao médico. Logo depois recebi uma mensagem dele, bem atenciosa, perguntando como eu estava. E duas horas depois, quase a mesma pergunta: e aí, melhorou? Dessa vez ficamos até as 23h conversando.
Éramos vizinhos desde jovens e tínhamos muito o que trocar. Não demorou muito e eu estava apaixonada. Ele parecia estar também, mas… Era casado. Prometeu se separar e de fato isso aconteceu, seis meses depois que nos tornamos mais próximos. Saí com ele pela primeira vez depois de separado.
Enfim ficamos juntos e foi maravilhoso. Os momentos me preenchiam e não me importava que ele não tivesse dinheiro. Que no Dia dos Namorados fosse eu a comprar o jantar. Que eu sempre estivesse querendo agradar dando presentes, sapato, roupa, até eletrodomésticos para a nova casa dele, sem receber nada em troca.. Quer dizer… Dava aflição, sim, mas estar com ele devolvia toda a minha crença de que aquilo tudo era possível e era meu.
Mas essa falta de recursos virou minha vida do avesso. E um dia ele me disse que voltaria a morar com a ex pois estava em dificuldade financeira, pagando 2 aluguéis: o dele e o dela. Como disse a Maysa, a cantora, meu mundo caiu, e terminamos.
A saudade e a ausência operaram em mim um desespero que meses depois, quando ele me procurou, eu voltei feliz, mesmo que esse amor agora fosse clandestino. Dessa vez não teve como a religião me segurar, a obsessão era mais forte. E potencializada pela situação, toda controlada: os encontros, as mensagens pelo celular… Eu fiquei em segundo lugar em sua vida.
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