#21 - Para que nunca mais aconteça
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Queria começar minha história dizendo que não tenho raiva. Ao ouvir o que vou contar talvez você se esqueça disso, porque minha história é muito pesada, com muita violência e violações. Mas te peço que não se esqueça: não tenho raiva. O que tenho é vontade de que você saiba quem sou e que o que aconteceu comigo nunca mais aconteça com nenhuma outra criança. Pedi para a Mayra abrir uma exceção e divulgar o meu nome. Eu sou Maria Lucimar Gonçalves, mais conhecida como Mazinha. Nasci em Jardim, uma cidade do extremo sul do Ceará, na região do Cariri, no ano de 1980. Tem uma matéria sobre mim no G1 de Presidente Prudente, cidade onde moro desde a adolescência.  Meu nascimento foi a previsão de como seria minha vida. Grávida de sete meses, minha mãe foi espancada pelo meu pai. Uma cena cotidiana lá em casa. Quando eu e minha irmã fechávamos as janelas, a mãe abria as portas da casa e dizia pros vizinhos: “é cinema, pode ver, é de graça”. Todos da rua sabiam, ninguém da família ignorava a situação.  Ainda assim eu tenho boas memórias dele, meu pai violento e agressivo. Ele me ensinou a dançar. Não sei se ele tinha alguma deficiência ou se era só escroto. Ao longo da minha infância, passamos muita dificuldade, com frequência faltava comida em casa. Eu sempre tinha fome. Por causa dessa fome eu aceitei ir passear de carro com um amigo do meu pai. Aceitei que ele passasse a mão em mim, que ele fizesse o que quisesse. Ele tinha me prometido comida, mas não entregou. Eu fiquei com muita vergonha. Até meus 30 anos eu tinha vergonha disso, de ter sido enganada. Achava que a culpa era minha. Por muitos anos, a minha infância e adolescência foram assim. Aceitei que me tocassem em troca de comida e de promessas de uma vida melhor. Muitas vezes fui enganada. Eu era só uma criança. Por causa dessa pobreza e dificuldade, fui entregue pela mãe e pelo pai para a minha avó paterna. Os abusos sexuais, lá, só aumentaram. E eram meus tios, que se revezavam para me violentar. Não sei se era um esquema deles ou se eles só vinham na hora que queriam. Foram anos assim. Dessa vez não tinha comida, era só maldade deles. Eu aprendi que ficar parada era melhor que lutar. Quando eu ficava parada acabava mais rápido. Um dia contei pra minha avó o que acontecia. Eu tinha 11, 12 anos. Ela me levou ao conselho tutelar. Quem nos atendeu foi um homem. Quando me ouviu, disse que eu podia ser presa porque na certa eu provoquei. Ele achava que a culpa era minha. Por eu ser uma criança alegre, muito sorridente, extrovertida, porque gostava de conversar, a culpa era minha. Minha avó concordou. Num dia em que a família toda estava na casa dela, uma tia, casada com outro tio meu, viu um deles em cima de mim. E gritou pra família toda ouvir. Então, minha avó me mandou embora. Fiquei morando na rua. Depois eu lembro que a minha irmã acabou indo pra rua também. Não lembro de muita coisa. E depois vem tudo de volta pra minha cabeça. Quando começo a falar, lembro. Mas nem sempre, às vezes quero lembrar e não consigo. E tem coisa que eu lembro, mas que não consigo pronunciar.  Aos 14 anos eu fui presa, me acusaram de roubo em um restaurante em que eu trabalhava. O dono desse restaurante, que era o pai de uma amiga, tinha me colocado no colo e eu lembro que foi aí que perdi a virgindade porque apareceu sangue na minha roupa. Ele prometeu casar comigo, eu sonhava em casar e ter uma casa. Mas depois ele me acusou de ter roubado umas coisas no restaurante. ... [por conta do limite de 4000 caracteres o restante da história está apenas no áudio] Lembrando que o Podcast Sozinha de si é um projeto de acolhimento através de histórias anônimas, para cuidar de todas de uma vez! Manda a sua história pra mim: ⁠⁠[email protected]⁠⁠
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