Se você não trabalha, vai fazer uma unha, limpar uma casa, vai construir teu império. É sempre nisso que eu penso quando vejo as mulheres que estão passando pelo que eu passei. Na minha história, a violência não apareceu em forma física, nem de imediato, levou 12 anos pra que o meu então marido começasse um comportamento tóxico. Foi por essa época também que eu comecei a ter dúvidas quanto ao casamento.
Na minha adolescência, meu pai casou de novo com uma mulher que era… muito ruim. Não sei definir de outro jeito. Não sei o que ela queria, se marcar território com o meu pai ou algo assim, mas ela mentia e nos fazia mal - éramos três irmãs. Não nos dava comida, jogava comida fora, quando eu contava pro meu pai ele não acreditava e ela sustentava a mentira.
Ele era um homem bruto, durão, sempre indiferente ao nosso dia a dia. Quando fiz 17 anos, conheci um rapaz por quem eu me apaixonei. E era recíproco. Ele então foi até a nossa casa me pedir em namoro para o meu pai, que nunca nos deixava levar ninguém. Aceitou. Em meu coração, moravam a paixão e a vontade de sair de casa. Não deu outra: engravidei.
A gravidez exigiu o casamento e durante 12 anos desse casamento eu tive uma vida tranquila. Eu não questionava quase nada porque não sabia que podia, imaginava que era pra ser assim - eu cuidava da casa, das crianças, ele trabalhava fora. A família dele toda funcionava assim, todos eram muito legais, mas não se levantava nenhuma dúvida sobre nada.
Ao fim desses 12 anos o jogo virou, tudo passou a ser diferente. Ele saiu do banco onde trabalhava, se frustrou com a rotina, com o que imaginava que era sua carreira. Não sabia fazer mais nada e ficou em casa. Eu, então, comecei a cumprir horário como massagista.
Então imagina o antes: eu em casa com as crianças e os serviços domésticos - de limpeza, cozinha e cuidado. Café da manhã, almoço e jantar sempre prontos. Sem salário. Ele no banco, também com as muitas atividades que o emprego exigia, mas sendo remunerado por isso.
E agora o depois: um homem desempregado, com depressão, deitado o dia todo. E uma mulher pegando condução, trabalhando, recebendo a remuneração necessária para pagar as contas e… trabalhando também em casa. Tripla jornada, cansativa, injusta. Já seria suficientemente ruim se não fossem os ataques silenciosos para acabar de vez com o que poderia ser ainda um bom casamento: quando eu ia dormir, ele acordava. Ligava a televisão, começava a bater martelo. Não existia mais nenhuma paz.
A gota d'água que fez clarear e transbordar a minha decisão de sair dali foi quando uma das minhas irmãs (nós somos muito ligadas) me disse: “olha, presta atenção que esse homem não tem depressão nenhuma. Quando você sai pra trabalhar ele vai passear de carro, vai pra churrasco, vai tomar cerveja no bairro”. E aí eu dei um basta e fui descobrir a mulher que eu era.
Planejei sem avisar ninguém: fui atrás de um lugar pra mim. Eu queria fugir e encontrei uma casinha muito boa, de uma senhorinha que gostou de mim e topou esperar uma semana para que eu pudesse pagar o primeiro aluguel.
Enquanto fazia o meu plano de fuga, conversei com as minhas irmãs, que me deram muito apoio, e a irmã dele, que me questionou a decisão. Mas eu finquei pé. Quando falei com os meus filhos, também recebi todo o suporte. Eles até disseram: “você tá fazendo o certo, mãe, essa vida que você leva não é vida”.
Então, em um dia que ele foi ao médico eu simplesmente fui embora. Levei minha mala comigo, entrei no carro e fui, deixando todo o resto. Móveis, dinheiro, tudo. Me despedi dos meus filhos, e fui.
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[por conta do limite de 4000 caracteres o restante da história está apenas no áudio]
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